domingo, 26 de fevereiro de 2012

O VENTO FEBRIL


Como tu, eu espero sentado
a visão do inferno.
Calo e me concentro
neste encontro
entre duas almas.

Sofro violências de todo tipo
e choro o meu pecado.

Olho indiferente o passar do tempo,
e minhas rugas denunciam
o que deveria ter vivido.

Em vão, nenhuma história viril,
nenhum pecado mortal,
nenhuma santa
em meus lençóis.

Sou casto e enfermo.
Vivo bêbado pelos cantos
das ruas,
meu canto é ébrio e solitário,
minhas relações são fugidias
e rarefeitas.

O poeta, nuvem cantante,
não sofre de arrependimento
ou de culpa por já ter ido
às últimas consequências.
Eu sou o poeta, e a minha
febre são os versos.

Nunca é demais escrever
o pensamento num ritmo
frenético de caos e desrazão,
de chumbo e ferida,
de pecados, equimoses,
martírios e insinuações.

Não pertenço ao mundo
dos fracos, dos covardes,
dos mentirosos,
dos hipócritas,
dos assassinos.

Meu mundo é o mistério profundo,
meu mundo são as palavras
caladas no coração.
Meu mundo é vasto
como a minha pena,
meu mundo é só meu,
sou ébrio poeta
da dor e do vigor,
não canto loas
aos que nada vêem,
sou vidente
da escrita
sofrida
de um vento
abismal
do frio
e da sede,
sou imortal.

E nada me encanta
no mundo das indiferenças,
nada me leva à uma narrativa
sem fundamento musicado.
Às favas com os versificadores,
nobre é o poeta
que vive como quer,
lindo é o verso
que reflete
a própria vida,
já que a arte da poesia
não é o sentimento afetado
de rimadores sem culhões,
meu enfado é deste verso torto
que não diz nada,
a carne diz muito,
a embriaguez diz muito.

Não há sofrimento suficiente
para o pecador, o poeta.
Ele vê nuvens onde outros
não vêem nada.
O poeta verdadeiro
vê o que ninguém vê.

Quantas saudades
da minha morte serena,
do pássaro azul
que dormita
na pena sonhadora
deste poeta que delira.

De lágrimas se faz
um grande poeta.
De torturas indescritíveis
nasce o poema.
E o poema é o grito subterrâneo
de esferas que nem mesmo o poeta
compreende ou conhece,
tudo é uma vertigem do instinto
que nunca cessa de criar,
tudo é o excesso de que toda
poesia deveria
se formar,
o excesso do delírio
e da vida,
a paixão vigorosa
de um sonho
do tamanho
do mundo.

25/02/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

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