sexta-feira, 13 de abril de 2012

DO ETERNO E DO CARNAL (TRILOGIA)


CAPÍTULO I

Lá, onde repousa a nuvem, jaz a Eternidade.
Não há saída para a morte senão morrer.

   Onde mais há viço e sagacidade? Ando pelos montes do infinito e não vejo escapatória para nós. Uma queda eterna é o fundo abismo em que corremos o risco de sermos enormes e tragados pelas vísceras do tempo, naufrágio da beleza em tempos de discórdia. Os chineses invadem o templo do capitalismo, bugigangas fenecidas de trabalho escravo inundam os mercados, Wall Street urra em frangalhos, Main Street briga por espaço no mercado negro das ações, o teatro burlesco é a semente do caos, o drama do achincalhe reveste-nos de formosa chama de humor maldito, umas cores antevistas no paraíso é o que mais querem, mas os argonautas já se foram, esqueceram-se de enterrar os mortos do ataque das naves, do assassino em série das catacumbas, viveram pouco os poetas de antanho, eu uso o tempo para escrever como um anacoreta, as vicissitudes se irmanam com o cais do porto, eu sento e como a carne do caos.

Ódio é uma palavra extrema, olhos de fumaça.
Eu entendo que não há vitória sem esforço.
Eu quero a vida na luz do dia, pois a penumbra
Dos suicidas já foi um desejo punido pelo pesar.
Eu vou na desdita das coisas belas,
Onde vou não há caminho aberto,
Sempre há um empecilho no caminho
Do infinito.

Pois o que adianta um poema diluído no álcool?
Adianta o fumo e a anarquia?
Não temos muito tempo,
O câncer logo vai corroer as minhas entranhas
E eu não terei pena dos que ficam.

Vale o ácido, LSD é um sintoma psicótico produzido
Pelos sintetizadores da dormência e do vinho.
A galáxia mais próxima não tem o viço da Terra,
Ó Beleza tão cara aos que nela habitam,
Tua vereda não tem fim,
Horizontes que me interpelam
Pelo sentido da vida,
A arte depende do olhar,
Críticos interpretam o poema
Ou a pintura à revelia do artista,
Muitos desses mortos célebres devem
Se retorcer no caixão.
O tempo, irascível, genioso, matreiro,
Este passa como um vendaval.

   Os dias passam, os protestos aumentam, a Primavera Árabe é um grito de liberdade de jovens e suas tribos, Saddam Hussein está morto, Osama Bin-Laden naufragou, no silêncio do mar encontrou as virgens em seus rios de leite, Al-Qaeda é um canto de guerra que não tem começo e nem finalidade, Wall Sreet é uma jogatina de bônus, os ricos republicanos não querem impostos, O Tea Party e suas bravatas já viraram um folclore da decadência do “american way of life”, a classe média americana está na forca, os subprime viraram fumaça, Obama não sabe mais o que fazer, a Europa se esgarça num desespero grego, o berço da civilização ocidental está irreconhecível depois de 25 séculos, não há como dimensionar o futuro, o capitalismo deveria estar em seus estertores, mas a solução não é Slavoj Zizek, o performático. Temos que abandonar o modelo liberal? A economia deve ainda tomar conta dos rumos da política? A política deve ainda tomar conta dos rumos ... de quê mesmo? A natureza grita, a natureza grita, a natureza grita. O Deus consumo é um suicídio, temos pela frente o desafio do século XXI, transformar nossa fome de dinheiro em caridade e compaixão. Temos que desistir do modelo da Revolução Industrial, a tecnologia deve servir à uma reengenharia do consumo, devemos ter sanidade ambiental, senão o mar gritará, o fogo queimará, o homem poderá ver o fim? O fim? A natureza grita, o nada do futuro se agiganta no horizonte, as flores do campo são bela poesia, poesia que não restará deste caos de metrópoles vulcânicas, o tempo é curto, a saída estreita, é preciso ter coragem, a liberdade é um dom humano, humana poderá ser a fuga ou a solução.

O caos empreende seu intento,
O capital devora a si mesmo,
O homem devora a Terra.

Quantos terão compaixão?
Deus não nos salvará de nós mesmos,
Se é que há um Deus.
Voltemos à lição dos sábios,
Amar a natureza acima de todas as coisas,
O que é belo não fenece na alma do homem,
A morte carnal é um rito de passagem
Para a simbiose com o universo
No sono sepulcral das estrelas da noite.
O caminho é sentido como sendo nosso,
Nossa é a vida, nosso é o caminho,
Nas trevas ou no céu,
Não há fim para o que é
Infinito,
Não há fim para o que é belo,
Não há fim para o que é sem fim.

Tenazes são as máquinas, mordazes são os que estão no poder,
Mas o povo sabe mais coisas que a plutocracia,
A democracia permanecerá sendo o norte,
Mas o modelo liberal capitalista é a morte.

Não devemos ser escravos do presente
Como ele se nos dá,
O futuro é antevisto pelo que somos
E pelo que poderemos ser.
O fim sem fim é o universo nos dizendo
Que a beleza é o fundamento do ser,
A arte e a natureza são irmãs da beleza,
A beleza é irmã da virtude,
E a virtude é a mãe da verdade.

CAPÍTULO II

   Arre tempestade! Da lástima tenho o monturo de enigmas na doce manhã. Da queda a imprecisa chama de vales no fundo do mapa. Orai e crede no poema, viceja do outro lado da vila o enigma tripartite de sua juventude cancioneira.

Quantas almas agora no absinto eu pressinto?
Desde a vida romani daquelas quiromancias,
Eu vi nas runas as ruínas do meu destino.

Sempre-vivas a bailar no temporal,
De ontem o fecho sepulcral de filhos
Intempestivos do Santo Graal.

Loucura, insanidade, vício.
Os elementos correm no amor divino.
O suicídio é um terror dos que caem.

   Arre sempiternidade! Dos altares de Moloque eu vejo sangue de bárbaros, rock and roll satânico nas nababescas fronteiras de um assassino. Os rumos que se tomam nesta vida são escolhas fatais do destino, o poema é só um espelho deste destino. Roubar da máquina a sua mecânica sofrida de engrenagens anti-filosóficas, lembrar de tudo numa contra-psicanálise do sexo dos mortais, mortalha de Rimbaud, delírios de Blake, olhos precisos de Drummond, tédio existencial de Pessoa.

Dardeja no sol novo evento de velhas lembranças.
Como velho estará o velhaco na lei caduca da imunidade total.
Sem ver a filosofia que lhe cabe no momento.
Sem ver a apatia deste poeta ignaro e vário.
Sem doer a abissal dor da compaixão.
Sem morrer pelo destino visionário.
Como se sela um cavalo rude no hospício.
Como se vê toda loucura que era Cristo.

  Arre Satanás! De seu inferno tenho a vívida sensação que perco minha vida no tempo desandado dos excessos. O universo é um hercúleo trabalho de sete dias com sete velas da última centúria do Apocalipse. Eu vi e enlouqueci! Tinha três pontas numa lógica das vísceras. Davi me lembrou daquela época em que Abraão não se matou. Tenho o canhão dos salmos apócrifos psicografados durante a jornada imaterial de Moisés. Tudo era revés, sem fé e sem paradeiro me vi no mundo inteiro sem sair da meditação do profundo karma, da magia da mandala que era a consciência cósmica numa seleta dos poemas que ali nasciam. Era o poeta apenas visionário? Ou era louco? Ou era a nova era?

No mar o universo do sal,
No mar o céu que rege o dia.

Por todas as coisas do mundo
Eu gritei.
Por todas as ilusões do mundo
Eu pequei.
E todas as coisas eram o que eram
E eu não as via,
Eu as desejava,
Ardendo na paixão
Que nada mede
Senão o coração.
Não sucumbi,
Não fui longe demais.
Demasiado humano fingi
Ser estrela enquanto passava
Sob um crucificado
Os poemas anárquicos
Que cantavam para nascer.
O nascituro poema vingava
As teses espúrias de um vate marginal.
O poeta era o brado do bardo em barco pelo mar.
Tudo dançava sem fim, como a noite
Da minha esperança na luta e no motim.

Viajei insanamente, delirei relvas
E paixões destruidoras.
Venci o morticínio, como pressenti
O fogo eterno da poesia.
Pois do sol à carne furibunda,
Decidi amar a lua.

O poema era o farol deitado no platô.
Via feras, via a tempestade
De um inferno de Rimbaud.
O gênio da morte e a febre
Do mar, terrível.


CAPÍTULO III

   Os deuses irados da noite profunda acordam. Eis que a vida se torna plena, plenitude das horas em que sofri calado. O karma, que desde sempre nos trouxe o uivo da última noite de saturnais, convidava ao deleite e ao êxtase de um fundo de música espiritual. Na barafunda pelos arrabaldes de Mefistófeles, via Fausto em claro enigma, refém do conhecimento sem a sabedoria, caindo em desgraça pela pedra filosofal e pelo elixir da juventude. Alquimia de outros tempos acordou no ouro sagrado de um olhar fatal.
   Tempo impassível como o tanger de uma sedução poética sem sociedade ou ordem institucional. Das leis o pouco vigor das regras, da conduta a liberdade extrema do poeta, refém das selvas da alma, com o desdém dos fluxos de sangue nas próprias veias. Velame que se acerta com o passar do tempo em alto mar, experiência e viço na sua carne seviciada. Vejo a imagem plasmada e alucinogênica de cada verso que se derrama. Não tenho certeza do meu fim, mas certamente será sereno.
   Veloz sentimento. A casa é um sentido total. O hábito da leitura é fundamental. O mundo em convulsão é a agonia de um desejo que urge de realizações. Eu canto nos porões, eu canto no meu canto com todo o encanto de um pranto. Acalanto da noite fria, quando nasce meu rebento e eu choro de alegria, como nunca antes nesta vida!
   A minha alma terá liberdade, terá bonança, terá felicidade. O meu corpo será o meu templo, não mais o tormento de minha queda. Volteios entre os corações partidos, em cada lugar uma ferida sem cicatrizar. A oferenda a Iemanjá será o manjar de uma noite de lua cheia, com a vida repleta de toda a sorte de bem-aventuranças. A esperança vence a convulsão, o mundo está em paz, a vida é boa como imaginávamos, a vida é certa como se vê no destino das cartas ciganas, o puro elemento do amor vence o rancor, eu viverei o momento, deixarei minhas canções viscerais como o tear da memória em ação, todos os poemas de amor nascerão, nesta nova vida que escolhi, vai aqui alguma seara desta nova poesia que vive em mim e que agora sai do coração tão cálido e condoído:

A orquestra tem viço e é vivo coração
Do doente a cura pela alma velada
Que renasce da morte tal um clarão
E de dias aos auspícios da vida venerada

Como um alaúde a música vive
O tempo se dá gratuito ao poema
E anoitece meu delírio livre
Pelo ardor de cada fonema

A cidade emana paixão e fúria
Tal as modas que passam ligeiras
Desde o fim do cais que marulha
Pelo voo do pássaro nas capoeiras

Onde se vê mar e tanto albor
Da visão cerúlea que viceja
De amor batendo o tambor
Com o desejo da cerveja

Tal o tempo que vai pelo sonho
Dizer que não vi nada mais
Que um livro risonho
E límpido no meu cais

Revirei nas veredas da noite
Como vate que nunca cessa
Em seu burilar de verso e açoite
Para tornar-se o livre poeta

Aportar plácido e calmo
No ar puro que me leva
Ao som do verso do salmo
Que revive o dia da nova era

E como poeta ou bardo
No meu vivo verso
Sinto o cheiro de nardo
Como um delírio desperto.

13/04/2012 Delírios
(Gustavo Bastos)



 


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